Vistas do Vidigal

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Sobre

Ninho

Conheci o Ninho na Associação de Moradores da Vila Vidigal no dia em que ele se afiliou ao grupo Fala Vidigal. O grupo foi formado por moradores com o propósito de discutir a questão da gentrificação, com apoio da Associação de Moradores e da ONG CatCom. Com reuniões semanais, o grupo organizou quatro debates públicos para discutir diferentes aspectos das mudanças ocorridas no bairro após a instalação da unidade da UPP em 2012. Os debates ocorreram na praça principal do Vidigal e Ninho teve um protagonismo como colaborador assíduo e liderança no movimento. Nossa colaboração no 'Vistas do Vidigal' começou quando resolvemos fazer dois vídeos sobre gentrificação, os quais foram exibidos nos debates do grupo Fala Vidigal (vídeo1 e vídeo2).

A presença política de Ninho cresceu ao longo dos últimos anos. Ele iniciou o Politilaje, um fórum de discussões políticas constituído por um grupo que reúne ativistas do Vidigal e de

Ninho

Arvrão

Arvao

Este curta mostra o processo emergente de gentrificação sob a perspectiva de diferentes atores sociais. A gentrificação das favelas da Zona Sul não atraiu somente investidores de fora com interesse no mercado imobiliário informal. A grande mídia nacional também estava atenta e desempenhou o papel de promover uma campanha pública para transformar a imagem das favelas. Até então retratadas como áreas perigosas, as favelas deveriam agora se tornar um destino turístico moderno e despojado, e uma nova fronteira aberta para investidores. O objetivo era aproveitar ao máximo o momento e abrir o caminho para um maior investimento de capital, mas para isso seria preciso mudar o preconceito contra as favelas enraizado na classe média do Rio de Janeiro. No entanto, a transformação das favelas em mercadorias valiosas do mercado imobiliário, por meio de uma gentrificação um tanto quanto improvisada, exigia mais do que uma mudança nas percepções culturais da classe média; era também necessário um cenário político e econômico sólido e confiável. No curta Arvrão, Ninho e eu caminhamos por uma área do Vidigal chamada Vinte Cinco, que foi no passado um dos principais redutos do tráfico de drogas. Era neste local que jovens associados ao tráfico faziam a vigia, de olho nos becos da favela e possíveis invasões por policiais ou membros de outras facções. Ironicamente, este local, chamado Arvrão, tornou-se uma das principais atrações turísticas onde se encontram os albergues e bares do Vidigal frequentados pela classe média. A hesitação de Ninho no filme em mencionar o passado do lugar mostra que o tráfico de drogas ainda tinha uma presença significativa na favela pacificada, mesmo que discreta.

Guto e Graça

Apesar de sua localização privilegiada entre o Leblon e São Conrado, dois dos bairros mais caros do Rio de Janeiro, e uma vista da cidade do Rio de Janeiro e do Oceano Atlântico de tirar o fôlego, o Vidigal é uma favela relativamente pequena, com 10.000 habitantes, de acordo com o censo de 2010 (embora a estimativa da Associação de Moradores seja de pelo menos 30.000). Não houve relatos de incidentes violentos entre a UPP e os moradores, e o tráfico de drogas que não migrou para outras áreas passou a conduzir suas operações de maneira discreta. Em suma, era uma favela pacífica, de proporções pequenas e bem localizada que atraía muita atenção na mídia. Em Guto e Graça, caminhamos pela favela com Guto, um jovem arquiteto, e sua namorada Graça, uma nutricionista autodidata, ambos ativistas que lutavam contra a gentrificação. O filme ilustra as diferentes e por vezes contrárias opiniões que as pessoas tinham tanto da pacificação quanto da gentrificação. Guto e Graça foi exibido em festivais de cinema, oficinas e em salas de aula mais do que os outros curtas. Isso ocorre porque o filme ilustra o meu argumento de que a pacificação criou desafios e oportunidades que por sua vez foram negociados pelos moradores dependendo de sua posição e capacidade de tirar proveito do processo de gentrificação. Muitos moradores suspeitavam que a pequena brecha de oportunidade seria limitada em duração, e estavam certos. Desde 2018, com o novo contexto político, as coisas mudaram drasticamente. Após sete anos de relativa paz, os moradores do Vidigal enfrentam novos desafios que ameaçam sua sobrevivência e dignidade.

Publiquei um artigo sobre Guto e Graça e a utilização de filmes etnográficos como contação de histórias na revista (publicação de acesso aberto) Anthrovision.

Guto and Graça

A Casa de Marion

Tive inúmeras oportunidades de ouvir discussões, desde testemunhos de moradores, até matérias na imprensa e conversas em redes sociais, sobre a viabilidade e a questão ética da gentrificação das favelas, dentro e fora do Vidigal. Os moradores mais antigos expressaram uma mistura de curiosidade, desconfiança, ressentimento e interesse econômico em relação às pessoas de fora da comunidade, que passaram a ser uma presença comum no Vidigal. Não levou muito tempo para os moradores formarem uma tipologia moral que lhes ajudasse a decidir quais estrangeiros seriam bem recebidos. Os 'bons' não estavam pensando em apenas lucrar, mas também em agregar valor à favela (os que vieram para somar), alinhando-se com as causas comunitárias. De vital importância era a percepção de que o “bom estrangeiro” não estava interessado em mudar o jeito da favela e não compartilhava o mesmo medo, preconceito e racismo que a classe média de Rio nutria contra os moradores de favelas. Porém, a decisão sobre como um indivíduo se encaixava nos critérios do "bom estrangeiro" dependia das relações estabelecidas entre as partes, e de quem estava fazendo a avaliação. A Casa da Marion é um caso representativo. A casa amarela que Marion construiu no meio da área Vinte Cinco tornou-se um símbolo de gentrificação e era visto de formas diferentes e por vezes antagônicas, como se poder ver em dois dos outros filmes Guto e Graça e Arvrão. Os moradores desconheciam as intenções de Marion na época e especulava-se muito sobre sua pessoa e sobre quais seriam seus planos para a casa.

Marion's house

Marcelo and ITERJ

O Vidigal sempre teve uma reputação associada à boêmia. Antes da escalada de violência entre diferentes facções do tráfico por volta do ano 2000, o Vidigal era frequentado por membros da classe artística carioca atraída pela cena musical de um dos clubes do bairro. O Vidigal também conta com uma importante trajetória de resistência política; no final da década de 1970, os moradores resistiram a um processo de remoção com a ajuda da arquidiocese do Rio de Janeiro que possuía na época uma agenda progressista. O Vidigal também fez história quando o Papa João Paulo II visitou a favela em 1980, um episódio que está marcado na história e na memória daqueles que testemunharam o grande evento, como vemos no final do filme.

Em Marcelo e a ITERJ, Ninho e eu acompanhamos o presidente da Associação de Moradores do Vidigal, cuja chapa venceu a primeira eleição democrática na Associação de Moradores no período pós pacificação, cargo antes controlado pelos chefes do tráfico. Seu trabalho cotidiano nas ruas do Vidigal nos leva a um encontro com um dos diretores da Associação de Moradores, Walmar. O filme passa a seguir Walmar, que auxilia os funcionários do ITERJ (Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro) a fazerem um mapeamento das moradias da área Trezentos e Quatorze. Esta área do Vidigal venceu a disputa e tentativa de remoção nos anos 80 e recebeu a graça do Papa. No entanto, trinta anos depois, os moradores ainda aguardavam o lento processo de regularização de suas moradias. O ITERJ precisa atualizar constantemente a informação em seu banco de dados no que diz respeito ao número de casas e terrenos, dada a rapidez com que mudam os números de habitantes e tamanho de moradias.

Material do filme Marcelo e ITERJ foi utilizado em um capítulo do livro Post-Industrial Precarity: New Ethnographies of Urban Lives in Uncertain Times sobre a regularização fundiária em favelas.

Marcelo and ITERJ

Ivana

Ivana se apaixonou pelo Rio e abraçou a oportunidade de se tornar dona de uma casa no Vidigal. Apesar do aumento nos preços de imóveis em favelas da Zona Sul do Rio, estrangeiros de classe média com economias relativamente modestas podiam arcar com os custos de comprar um imóvel nessas comunidades. Ninho e eu fomos conhecer seu novo lar e lhe dar algumas dicas para a reforma de sua casa. O filme Ivana, nos oferece a perspectiva de uma agente pioneira de gentrificação, apresentando suas motivações e aspirações. A diferença entre os projetos de Ivana e Marion é evidente. Ivana é uma europeia de classe média com desejo de se tornar parte do Vidigal. Marion é uma empresária bem sucedida do Rio de Janeiro, com recursos suficientes para um investimento arriscado envolvendo a construção de um pequeno prédio de apartamentos para aluguel em uma favela pacificada. As motivações, desejos, planos e expectativas de quem investiu no Vidigal são tão variados quanto a configuração desses novos moradores e empreendedores em favelas.

Ivana